
Relato do engenheiro químico
A princípio, a possibilidade de participar da deriva me causou certa apreensão e vergonha, uma vez que não possuo nenhum conhecimento técnico em fotografia e muito menos possuía uma câmera de qualidade, sendo todas as fotos capturadas por uma câmera de celular. No entanto, aceitei participar do que, para mim naquele momento, se apresentava como um desafio.
A deriva foi realizada em uma tarde chuvosa em Petrópolis, chuva esta que acabou causando em determinado momento, a interrupção da deriva. Antes de começar, sentia-me extremamente vazio e pouco criativo, e não me parecia possível encontrar na paisagem algo que me inspirasse para fotografar.
Ao iniciar a deriva, ainda descrédulo, foquei minha atenção nas palavras e frases que via na rua, mais do que em paisagens ou objetos. Despertou em mim a vontade de retratar nas imagens um ambiente desprovido de contexto ou sentido, sendo esta ausência causada por retratar apenas recortes de frases ou palavras vistas na rua. No fundo, vejo que o meu desejo era apresentar, nas fotos, imagens como se fossem pertencidas a um outro mundo ou realidade. A foto em que retratei a palavra “lógica”, escrita em uma tampa de bueiro, foi tirada com a intenção de ser uma síntese do trabalho, neste sentido.
Entretanto, durante essa busca por frases e palavras para serem desconstruídas, meu olhar começou a se depositar sobre um – cada vez mais crescente – horror, que a princípio oculto, se mostrava cada vez mais evidente em minha busca. Propagandas de empresas de câmeras de segurança se mostravam como criaturas prontas para vigiar, monitorar e observar, constantemente, a mim e a todos. Uma inocente máquina de pescaria de bichos de pelúcia se tornava uma “black machine” escrito em letras vermelhas como se saídas do inferno. A cada vez mais surgiam indícios da existência de uma terrível força opressora, despercebida pelas pessoas, porém presente em todos os lugares e que me cercava por todos os lados. Toda a cidade reforçava a minha visão: infinitas placas de proibido estacionar e pichações com frases motivacionais escondiam sentidos terrivelmente assustadores.
Enquanto andava, me lembrava e pensava vividamente nesta frase atribuída a Edvard Munch, autor de O Grito, como se eu estivesse vivendo, naquele momento, o mesmo horror que ele, e que minha experiência da deriva tivesse sido uma representação de seu conteúdo:
Caminhava com dois amigos pelo passeio, o sol se punha, o céu se tornou repentinamente vermelho, eu me detive; cansado apoiei-me na grade – sobre a cidade e o braço de mar azul-escuro via apenas sangue e línguas de fogo - meus amigos continuaram a andar e eu permanecia preso no mesmo lugar, tremendo de medo – e sentia que uma gritaria infinita penetrava toda a natureza.
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Ao fim, saí surpreso com duas coisas. Em primeiro lugar me senti surpreso por ter sido capaz de produzir algo que fosse dotado de sentido e possuísse início, meio e fim. Em segundo lugar, me senti surpreso com relação ao caminho trilhado pela minha mente durante a deriva, na qual fui permeado pela sensação de angústia que busquei retratar. Me senti compelido a investigar o porquê de estes sentimentos terem sido despertados por mim naquele momento. No final, me senti satisfeito e triste por ter que ir embora para escapar da chuva que nos assolava.
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Sobre o grupo "I-lógica": As fotos reunidas neste grupo são fotos de palavras e frases vistas durante a deriva, porém removidas do contexto ou frase em que estavam originalmente. Desta forma, buscava-se como resultado obter uma imagem em que a palavra ou frase estivesse removida de seu contexto original, criando situações inusitadas ou inesperadas que despertassem no espectador sensações de estranheza, confusão ou humor.
Sobre a foto elegida: “i-lógica” – A foto que representa o grupo, de mesmo nome, foi tirada com a intenção de representar esta ideia. A palavra “lógica” foi encontrada em uma tampa de bueiro e fotografada de cabeça para baixo, com a intenção de representar uma subversão ou ausência da lógica comum nas imagens retratadas.
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Sobre o grupo "O horror das palavras": As fotos reunidas neste grupo também são compostas de palavras e frases vistas durante a visita e removidas de seu contexto original. Entretanto, neste caso, houve a intenção de, com estas frases, apresentar o ambiente retratado como se dotado de uma “força opressora” sobre o espectador. Esperava-se com as fotos causar sensações de desconforto, angústia e sufocamento. A organização das fotos pressupôs a ideia de que as mesmas seriam vistas em sequência, de modo que tais sensações crescessem no espectador a cada imagem, como em uma narrativa de terror.
Sobre a foto elegida: “Vazio” – A foto escolhida para representar o grupo, denominada “vazio”, apresenta uma parte de uma frase pichada em um muro e encontrada durante a deriva. A frase original era uma frase motivacional, porém o trecho fotografado, descontextualizado, se tornou sombrio e sinistro. A frase dialoga diretamente com o espectador, contribuindo para a ideia de que a cidade se apresenta como dotada de uma força e intenção opressora, direcionada diretamente a este. O título “vazio” tem a intenção de representar as sensações de vazio, abandono e opressão.
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Petrópolis, RJ, Brasil, Dezembro de 2023.