Entrevista com Nasser Soumi
Nasser : Uma amiga que começou a montar uma coleção de arte para si mesma me disse:
— Nasser, vou deixar meu trabalho, estou procurando uma galeria.
Então ela começou a procurar.
Um dia, ela me ligou e disse:
— Nasser, encontrei a galeria, estou dentro. Gostaria muito de te ver.
Na época, eu morava no 3º arrondissement e a galeria era no 6º. Por acaso, eu estava justamente na casa ao lado, havia uma transferência de número de telefone. A galeria ficava no número 17 da rua Grands-Augustins, e eu estava no número 19 da mesma rua. Então, desci correndo, ela não me esperava, era impossível, e eu apareci bem na frente dela. Isso foi em 1989. Então, expus esse tipo de obra que você acabou de ver.
E, mais tarde naquele ano, como te disse — por isso te conto essa história —, no final do ano, comecei a trabalhar com assemblages. Assemblages são principalmente esse tipo de coisa.
Um dia, quando voltei para casa, no número 19 da Grands-Augustins, a Lélia Murdoch — é assim que ela se chama — me viu e disse:
— Nasser, Nasser, venha, venha.
Perguntei:
— O que foi?
Respondi:
— Duas obras que acabei de fazer.
Ela disse:
— Vou ver.
Então mostrei para ela. Ela ficou chocada e disse:
— Nasser, você não se dá conta... Acabamos de fazer uma exposição sua que foi muito bem-sucedida. Fizemos um catálogo, um cartaz... E agora você muda completamente o seu trabalho?
Respondi:
— Lélia, eu sou um artista, não um fabricante de quadros.
Ela é inteligente, entendeu a mensagem imediatamente. Disse:
— Vou comprar esta.
Ela comprou uma das duas obras que eu tinha feito para ela.
Essa é a história.
— Oh, é fantástico!
— Obrigado.​
Então, minhas próximas exposições com ela foram essencialmente com assemblages. E mais do que isso: a galeria mudou completamente sua direção para obras multidisciplinares, em vez de pintura. Foi isso que aconteceu com Lélia Murdoch.
— Ah, mas isso é ótimo, não?
Há uma pergunta que eu gostaria de fazer: Você pode falar um pouco mais sobre seu processo de criação artística, suas inspirações, o que te leva a criar e a se expressar?
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Nasser : Na verdade, para mim — e o título do meu livro dá uma indicação disso —, o título do meu livro é Nasser Soumi – Para entender cada segundo do mundo.
E esse título não fui eu que escolhi aleatoriamente. Os dois editores estavam na minha casa, aqui mesmo onde você está sentada. Eles olharam meu trabalho — havia de tudo um pouco — e me perguntaram:
— Por que isso?
Eu disse:
— Eu trabalho para entender. Não trabalho para produzir uma obra de arte.
Então, esse foi o primeiro processo para mim na minha vida. E, aliás, o que eu estava contando sobre a Lélia Murdoch é exatamente isso.
Aprendi a gravura, porque é uma técnica que você pode fazer em casa. Aprendi na Escola de Belas Artes: litografia, etc.
Fiz bastante, depois parei com a gravura, mas gostava muito da tinta da gravura, mais do que da pintura, espessa, etc, aquela que se trabalha com faca ou rolo. Fiz muita coisa com isso, realmente muita coisa.
Mas antes mesmo disso, fiz muitas monotipias. Mas não as monotipias clássicas, como as de Degas, Rembrandt, etc. Muitos pintores faziam monotipias. Quando terminavam seus trabalhos, sobrava tinta, então colocavam sobre uma placa de vidro, desenhavam algo e colocavam um papel por cima. Apertavam com a mão e imprimiam algo — isso é o que se chama de monotipia.
O que eu fiz foi pegar uma placa de cobre — como sou gravador — e gravei com ponta-seca. Gravar com ponta-seca significa passar uma agulha por toda a superfície, realmente por toda parte. Então, quando eu desenho algo, a tinta penetra nas linhas. O que sobra na superfície, eu retiro com um pano. Depois, imprimo uma vez. Mas quando se imprime, sai exatamente como eu fiz, sem os borrões das monotipias de Degas, Rembrandt e outros.
Por isso, minhas monotipias são específicas, e, na minha opinião, não existem nem antes de mim, nem depois de mim. Nunca ouvi falar de alguém que tenha usado ponta-seca para fazer monotipias.
— Talvez um pouco da textura venha quando se faz a monotipia?
— Monotipia não tem textura. Gravura tem um pouco. Mas monotipia, não muito.
Nasser : Por isso, depois passei a trabalhar com tinta de gravura, que permite criar qualquer textura. Pode-se até colar objetos, tecidos, coisas, porque a tinta é muito espessa. Fiz isso por uns dois ou três anos. Foi algo muito importante.
Depois, como disse, comecei a fazer assemblages, porque às vezes eu via um objeto, uma forma, algo… E então eu acrescentava, retirava... para compor uma obra de arte. Fiz várias assemblages assim. Aliás, só entre parênteses: comecei meus estudos em engenharia mecânica.
— Ah, é?
— Então tenho paixão por aviação, mecânica, etc. Por isso, com a assemblagem, pude criar objetos que se movem, que fazem sons, com hélices, etc. Não se trata apenas de juntar peças. É também criar coisas que podem provocar um acontecimento, que podem girar, etc.
Aliás, fiz uma exposição em 1993 em que praticamente todas as obras precisavam ser tocadas para funcionar. E fiz isso como reflexão: nos museus e exposições, a gente ouve "não toque, não toque". E eu dizia: "toquem, toquem, toquem".
— Ah, isso é genial!
— Todo mundo tocava.
— Gosto da ideia de que se pode interagir com a obra. A ideia do toque. Porque — pelo menos no Brasil, e acredito que aqui também — a arte é quase proibida para o povo. Parece sempre algo muito distante. As galerias, os museus, por exemplo, não são realmente acessíveis. As pessoas mais simples, por exemplo, sentem sempre um pouco de medo, sentem que não têm o direito de entrar em uma galeria ou museu, como se fosse proibido.
— Aliás, nessa minha exposição, as pessoas diziam: “Vamos trazer as crianças!”
Vieram muitas crianças visitar minha exposição, porque havia coisas para girar — vou te mostrar depois. Tenho muitas coisas aqui que giram…
— Ah, adoro isso!
— Com mecanismos, etc.
Então, como eu dizia: para mim, eu me considero um ser humano que nasceu neste mundo, que observa o mundo, que tenta compreendê-lo, que tenta participar do seu movimento, mas dedica mais tempo a tentar compreender do que a participar do movimento do mundo.
Eu participo, mas para mim, estou sempre espantado, sem resposta. Você me disse que tenho muitos livros — e é verdade. Tenho muitos livros sobre astronomia, sobre a origem do mundo, sobre como ele foi criado, etc. Mas infelizmente, não se chega ao fim. Estamos sempre sedentos, sempre falta algo muito importante.
Como, aliás, acredito que foi Stephen Hawking quem disse: “Hoje conhecemos muitas coisas sobre o planeta, mas o que não conhecemos é ainda muito maior.” É isso que eu penso.
Por isso também, para mim, o espaço, os sinais do espaço, as manifestações do espaço estão presentes no meu trabalho — como o turbilhão, por exemplo. Há muito disso… A gente vê exatamente nessas obras, como essa aqui.
Aliás, essa aqui é a capa do meu livro: um tríptico chamado Céu, Terra e Mar.
Então, para mim, há um lado filosófico no meu trabalho que é muito importante. Porque, veja, eu tinha a possibilidade de seguir meus estudos como engenheiro mecânico, de ganhar a vida, de observar, de ler o que quisesse… Mas quando vim para a arte, não vim para ganhar dinheiro. Ganho dinheiro também com a arte, mas digo: a razão pela qual me dediquei à arte não foi para isso.
Foi essencialmente porque a arte é minha ferramenta de compreensão. Porque na arte não há equações matemáticas. Com ela, podemos ir além dos limites impostos pela ciência. A ciência nos impõe limites.
E eu tento empurrar esses limites, mesmo que seja com um dedo só. Talvez eu não mude nada, mas tenho a possibilidade de fazer isso — e faço o tempo todo.
Mariana : — Isso é genial. Para mim é muito interessante, porque acredito nisso também. Eu faço arte sempre para entender o mundo, e para me entender também. É uma forma de... não sei... viver, ou sobreviver, na verdade. Porque o mundo é um lugar muito difícil. Não é fácil. E a arte tem um sentido, pelo menos para mim, um sentido que preenche por dentro. Eu me sinto preenchida. Sinto-me… Quando paro de fazer arte, quando paro de pensar em criatividade, em tudo isso, sinto como se estivesse um pouco morta… Ou algo assim.
​
Mariana : — Você acha que há um papel da intuição no seu trabalho? Nas suas obras... há algo da intuição ou do inconsciente? Você acredita nisso?
​
— Certamente há algo, mas na verdade, não é o mais importante no meu trabalho.
Por exemplo, fiz uma vez uma instalação chamada Eco para Jaffa. Jaffa é uma cidade na Palestina — eu sou palestino. Então há uma ligação, claro. Mas, na verdade, ao olhar a instalação, vê-se que é arte pura. 100% arte. Mesmo que tenha um título… E, além disso, dentro da obra há muitas coisas.
A obra é composta por caixas. As caixas são como malas, porque as pessoas saíram de suas casas com uma mala. Mas eu criei uma "mala da memória", não uma mala de roupas. Pedi a pessoas que nasceram e cresceram em Jaffa, mas que hoje estão expatriadas, que escrevessem, em um quarto de folha A4, sua relação com a cidade. E pedi, se possível, que não escrevessem algo político ou com slogans, mas sim algo com o olhar de uma criança, de alguém que viu, que viveu, etc.
Funcionou muito bem. As pessoas realmente aderiram à ideia. Escreveram muito bem. Isso ficava de um lado da caixa. Do outro lado, fabriquei uma pequena garrafa de vidro transparente, e a enchi com água do mar de Jaffa. Coloquei uma etiqueta escrito "Jaffa — 100% água do mar de Jaffa" na garrafa. A garrafa ficava em um canto dessa parte da caixa,
e havia também uma espécie de onda do mar feita com um pedaço de madeira pintado com índigo — a cor com que trabalho muito.
Também sequei romãs, que assumem uma forma parecida com anis. E em cada caixa — Jaffa é conhecida por isso — fixei essas frutas sobre as ondas, porque de Jaffa — que está à beira-mar — os barcos levavam laranjas para a Europa, para o mundo todo, etc. Depois, em cada caixa, havia uma vela. Um suporte de vela era colado à parede, e a vela permitia que o texto fosse lido. Não havia luz elétrica na sala — apenas isso.
Então, em Toronto, isso parecia mais um templo do que uma instalação artística. E também, no chão, em volta de toda a sala da exposição, fiz contêineres cheios de água com tinta índigo. A água com índigo parecia o mar, mas também fazia referência ao fato de que Jaffa era conhecida por sua tinturaria em índigo.
O especial é que, ao olhar de lado, vemos o reflexo da luz na água que está no chão. Então, veja, é uma obra que trata de algo bastante preciso, bastante profundo, mas, ao mesmo tempo, a arte nela é ainda mais poderosa, mais clara. Esse é o meu recado.
— É muito forte. Acho que não vi essa obra no seu site. Vi várias, mas essa me parece muito, muito bonita.
— E Jaffa… estou dizendo certo? Era a cidade onde você nasceu?
— Não só isso. Por exemplo, estive em Avignon, acho que em 1989, durante o festival de teatro. Durante o festival, há muito teatro, e o festival tem duas partes: o "in" e o "off". O "in" são companhias convidadas — normalmente dez. O "off" pode ter centenas de companhias pequenas que vêm mostrar seu trabalho em Avignon.
Para dar um pouco de visibilidade, elas colam cartazes nos muros, janelas, postes de luz, por toda parte. E deixam panfletos espalhados. Em Avignon venta muito, os panfletos rolam pelas ruas. Achei isso meio estranho e me perguntei: "Por que não há uma maneira de fazer algo bonito, sem poluir a cidade?" Aconteceu que eu estava expondo em Lille, no norte da França, também em 1989. Uma associação me procurou e perguntou se eu gostaria de fazer algo com eles em Avignon — porque já tinham feito outras ações lá.
Respondi que sim, com prazer, especialmente porque eu já estava por perto. Pensei que talvez tivesse uma mensagem a transmitir. Então, em Avignon, propus instalar uma pirâmide na Place du Palais des Papes. Essa é a praça central e a mais importante durante o festival de teatro — a mais majestosa. Disse que, sobre a pirâmide, colaria todos os cartazes e panfletos de todas as companhias, fossem do "in" ou do "off". Mas também disse que pediria às companhias que colassem seus cartazes apenas na pirâmide, e não em locais ilegais. Caso contrário, eu cobriria os cartazes delas com outros.
Esse era o conceito. Escrevi o projeto e até fiz uma maquete, com fotos da maquete e a associação enviou meu projeto para a prefeitura de Avignon. Uma semana depois, me disseram: “Nasser, o diretor da prefeitura quer nos ver.” Foi um bom sinal.
Fomos até lá, e eu expliquei tudo o que acabei de te contar — que já estava por escrito. Ele disse: “— Senhor Soumi, este é o 39º Festival de Avignon.” Todos os anos, dezenas ou centenas de companhias nos pedem para fazer algo na Place du Palais des Papes. Nós sempre recusamos categoricamente. Mas vamos autorizar o seu projeto.
Então, a pirâmide foi instalada ali mesmo — você vai ver as fotos — colocada majestosamente na praça do Palais des Papes. E a parte superior da pirâmide, onde eram colados os cartazes, era feita com painéis que se abriam em quatro lados. Dentro havia uma plataforma mecânica que subia até 18 metros.
Com essa plataforma, realizamos performances: dança, música, animações, de tudo. Eu observava as companhias — aquelas que me pareciam versáteis, com potencial para improvisar — e sugeria: “— Vamos improvisar de manhã e apresentar a performance ao entardecer.” Funcionava muito, muito bem.
— Me parece que foi uma apresentação muito, muito impactante.
— Sim. Então, como eu disse antes, meu trabalho, naturalmente, tem uma parte que vem do que vi quando era criança, da minha casa, etc. Mas também há elementos que vêm do mundo inteiro.
— Do mundo inteiro?
— Do mundo inteiro.
Por exemplo, fiz uma obra com uma bola de futebol.
— Sim?
— Isso foi em 1998. Uma galeria muito importante, chamada Enrico Navarra, me pediu para criar algo. Aliás, foi depois da instalação de Jaffa que mencionei antes. Eu a apresentei em Amã, na Jordânia. Uma responsável pela Bienal do Cairo estava lá, em Amã, e me conheceu. Ela me disse:
— Nasser, adoro seu trabalho. Precisamos levá-lo à Bienal.
Respondi:
— Não, não quero.
— Por quê?
— Porque tenho medo. Essa instalação tem mensagens, é muito pessoal. Não quero que se perca.
Ela disse:
— Eu serei responsável pela sua obra do início ao fim.
No fim, fizemos. Ganhei o primeiro prêmio da Bienal do Cairo com essa instalação. Um dos jurados me colocou em contato com Enrico Navarra. A partir daí, começamos a trabalhar juntos. Ele estava organizando uma exposição sobre a bola de futebol — uma bola que circulava o mundo. E mais tarde...
— E eu, intelectualmente, não sou muito ligado ao futebol. Eu assistia de vez em quando, especialmente no final, mas não sou alguém que conhece todos os nomes dos jogadores, etc .Alguns, como Maradona, não tem como não conhecer. Como Pelé, não tem como não conhecer. Há alguns que são realmente lendários, que todo mundo conhece.
Então eu disse: “Ok, vou pensar.” Lembro que na época eu estava indo para a Austrália, estava no avião, e imaginei uma bola cortada ao meio.
— Ok, certo.
— Então escrevi para ele e disse: “Vou participar.” Na volta, fui a um modelista para fazer a bola, porque eu mesmo não podia cortá-la. Era de madeira, precisava ser cortada a laser, com muita precisão. Conversei com o responsável, que me disse: “Ok, aqui era meu ateliê antes.”
Depois voltei ao meu ateliê e ele me ligou. Disse:
— Nasser, seu projeto não pode ser feito. —
Eu perguntei:
— Por quê? — Ele disse:
— Vi que há complicações, é impossível. — Eu disse:
— Ok, vou te ver amanhã.
Cortei papelão, moldei a bola, a esfera, levei até ele. Ele disse:
— Isso pode ser feito.
E então fizemos. O importante na bola, além da forma, que é muito complexa de fazer, é que dentro das duas esferas havia um espaço onde os visitantes da exposição podiam deixar uma mensagem — escrita, ou em CD, ou em pen drive, etc. E essa bola também foi levada ao Ministério das Relações Exteriores no dia em que receberam delegações do mundo inteiro, que também deixaram mensagens dentro dela.
— É muito, muito, muito interessante.
— Mas isso foi... esqueci, foi para cada exposição, na verdade. Chamava-se “80 artistas em torno da bola de futebol.” Tenho o livro, posso te mostrar.
— Sim, para ver também.
— Havia realmente muitos dos artistas mais renomados do mundo. Por exemplo, daqui, havia César, Arman, Niki de Saint Phalle... enfim, muitas estrelas. Havia Jeff Koons.
— OK. Oh.
— Jeff Koons. E também, vou te contar uma anedota sobre ele. Por causa do seguro, eu declarei o valor da minha obra.
— OK.
— Na época, coloquei 400 mil francos. Era franco, não euro.
— OK.
— Enrico me disse: “Nasser, é exatamente o mesmo valor da obra de Jeff Koons, o artista mais caro do mundo.”
— Eu disse: “Mas, Enrico, a minha é muito mais interessante.” Ele disse:
— Sim ! Ele vai te dizer isso.
— Não estou dizendo que a obra dele não é interessante. Mas quando se vê a complexidade do que eu faço, comparado ao outro lado — uma bola de couro bem feita, bem produzida… A minha não é fabricada, é uma obra realmente esculpida, uma obra com muita reflexão.
D’Orestani, o crítico de arte que foi um dos curadores da exposição, disse: “El Madin Nasser, é uma obra muito inteligente.”
Mariana : — Sim, isso é muito importante. É preciso ter crítica, significados. Não é só imagem — é uma obra muito complexa também.
Mariana : — E por que você escolheu... bom, já imagino, mas por que escolheu usar o índigo, a cor índigo?
— Ah, essa é uma das histórias mais bonitas da minha vida.
​
O índigo, em 93, eu estava preparando uma exposição na galeria da qual te falei, da Lélia Mordoch. E havia um crítico de arte chamado Michel Nourzani, muito conhecido, escrevia na época para um jornal francês. Ele olhou e perguntou:
— Por que azul? — Eu disse:
— Não é azul, é índigo. — E ele perguntou:
— Então por quê?
E na verdade, eu não tinha uma resposta imediata. Não fiz o índigo no meu trabalho para que se parecesse com algo. Fiz intuitivamente. Falo muito da minha intuição no meu trabalho. Há muita intuição no que faço. Mas contei a ele uma história: encontrei uma pérola, mostrei ao meu pai, ele me deu dinheiro. Depois disse: “É uma história verdadeira.”
Mas não foi isso que me influenciou. Meu cérebro continuou trabalhando sozinho. Na verdade, não nasci na casa da família.
— Sim.
— Que fica em Jenin. Meu pai construiu a casa em 1932.
— Certo.
— Em 1948, meu pai era o chefe do exército popular que defendia a cidade, porque a Palestina perdeu grande parte do território neste ano.
— Sim, eu sei.
— Então ele mandou minha mãe para a casa de um primo em Sile al-Dahar, a 20 km de Jenin. Foi lá que nasci. Depois, meu pai alugou outra casa em Jenin e dividiu com o primo. Cresci nessa casa até os 7 anos. E nessa casa, que era uma casa árabe muito grande e bonita — como um retângulo — havia um enorme pátio no meio. E em cima, só havia o salão. Nada mais.
Todos os quartos, cozinha, serviços, tudo ficava embaixo. Em cima, havia uma escada que levava ao salão do meu tio. E quando você entrava no salão, na parede havia o retrato do meu tio, como um afresco — uma pintura mural — com tons de índigo, do mais claro ao mais escuro. Era o retrato. Eu tinha esquecido disso, é normal, eu tinha sete anos.
Mas por causa da pergunta de Michel Nourzani, tudo foi voltando aos poucos, e eu me lembrei disso. A segunda razão... depois vieram muitas coisas que consolidaram o motivo pelo qual usei o índigo. A segunda é que os vestidos palestinos, que são muito famosos — entre os mais belos do mundo — bordados, normalmente não são tingidos, são brancos.
E quando são tingidos, são tingidos essencialmente com índigo. Quase 100% com índigo. Há uma exceção numa cidade ao sul da Palestina chamada Majdal. Lá usam linhas vermelhas e verdes. Mas todo o resto é só azul. Como o azul jeans — é magnífico, muito bonito de ver.
Eu olhava muito esses vestidos, mas nunca pensei que faria arte com isso. Nunca pensei. Mas eu olhava. E esse azul índigo é o índigo natural. Não é o azul jeans de hoje, tingido com índigo industrial, nem com o pigmento industrial que Yves Klein usava, por exemplo. Então, eu trabalhei com esse índigo.
Mas também descobri algo extraordinário: os ancestrais dos palestinos — os cananeus, os fenícios — usavam conchas de moluscos chamadas Murex. Com o Murex, faziam o púrpura. O púrpura pode ser vermelho-azulado ou azul-avermelhado. E a Palestina também podia obter o índigo com a planta. A planta do índigo, o “indigofera”, que os palestinos cultivavam no vale do Jordão.
— Ah, entendi.
— E com esse pigmento, tingiam os tecidos. Então, percebi que estava exatamente no meu lugar. E depois, como dizem... porque vou falar de um livro em inglês... o British Museum fez uma exposição sobre a Europa palestina. E escreveram em algum lugar que o índigo é a primeira cor da Palestina.
(Mariana) — Oh, certo. Eu não sabia disso.
— Mas é normal, ninguém sabia — nem eu.
Mariana : Agora eu sei. Obrigado por compartilhar isso.
Nasser : Sim, compartilho com você. Agora eu escrevo. Agora eu digo. Mas quando comecei, eu não sabia. Não sabia de nada. Por isso digo, quando começo algo, não é como se eu pensasse “eu vou fazer uma obra de arte com não sei o que”. Não é dessa forma que eu trabalho. Há algo que começa... e eu sigo... e pronto, consigo fazer o que quero fazer.
Mariana : Sim, entendo isso. É como se ficasse talvez dentro... e você começa a fazer com esses sentimentos, talvez... não sei... esse pensamento.
Mariana : Sim. Na verdade, eu pensava que o índigo tinha uma relação com o mar, no início.
Nasser : Absolutamente, absolutamente. Sim, é 100% isso também. Na minha opinião, minha atração, meu amor pelo índigo... por que guardei na memória de criança de 7 anos aquele retrato do meu tio? Porque as cores são também as cores do mar.
Mariana : Ah, entendi. Então, porque você gostava... posso dizer... você se identificava. Sim, claro. Porque já disse... seu amor pelo mar talvez tenha feito você guardar aquela imagem do seu tio... e também os vestidos da Palestina, não? Você tem um motivo para amar, no fim, essa cor. Sim, isso é genial.
Mariana : Compartilho esse amor pelas cores. Acho o índigo uma cor muito, muito bonita... e muito potente, muito forte. Tenho algo com o púrpura, pessoalmente, sim... com o púrpura e o azul. Na verdade, tem uma coisa... tive um sonho em que eu estava muito, muito triste... e guardei o céu também. E guardei o azul... muito, muito forte, muito profundo.
E me senti melhor. E depois, muitos anos depois, minha mãe me disse que quando eu nasci, ela estava muito triste... porque não sabia se seria uma boa mãe, etc. E ela chorou muito, muito, muito. Mas num momento, ela olhou para o céu, respirou e disse: “Não, vai acontecer. Eu vou fazer isso. Vou ser uma boa mãe.” E acho que há uma relação entre esse sonho e o amor que tenho pelo azul.
Mariana : No Brasil, temos um poeta que fala muito da importância dos objetos ordinários e inúteis na poesia. Você também trabalha com materiais ordinários. Por que escolheu trabalhar com eles?
Nasser : Na verdade, para mim, todos os materiais... enfim, volto ao Hubert Reeves, um físico muito conhecido. Ele disse, falando de nós, seres humanos: “Somos poeira do universo.” Na verdade, tudo que está na Terra é parte do universo. Isso é muito importante.
Então, quando fazemos apenas uma coisa, extraímos a tinta, as cores, desenhamos com ela... não damos espaço para outras coisas também. Essas coisas podem ser muito importantes. Como eu disse, o índigo natural é uma parte muito importante do meu trabalho como artista.
Também trabalhei com... faço muitas performances de dança contemporânea. Falo da matéria — a matéria pode ser o humano, pode ser a luz, pode ser a terra, a areia. Olha aqui, por exemplo, aqui são corais do mar que eu recolhi. Pronto. Tem muito coral, muita areia lá. Tem folhas de plantas que estavam no Jardim de Luxemburgo no inverno... não, no outono... folhas caídas.
Levei o quadro ao jardim, peguei as folhas, colei... depois levei o quadro para casa. Fiz a moldura, colei a parte de baixo, que se chama “The Doona Thing Machine”.
Isso não fui eu que concebi, fui eu que fabriquei, mas não fui eu que criei o conceito. Vi isso na casa de um amigo nos Estados Unidos, e quis fazer. Fiz porque as folhas giram a cada ano, giram, giram... e isso também.
Depois, voltando a algo ainda muito importante na minha vida... na verdade, eu fiz vinho aos 14 anos.
Mariana : Sério?
Nasser : Sem nenhum conhecimento, assim, por intuição, como já disse antes... e consegui realmente fazer vinho. Depois, quando era jovem... 15, 16, 17 anos... eu sonhava em recuperar uma parte da terra do meu pai. Ele tinha duas terras — uma na Palestina e outra nas Colinas de Golã, que agora estão na Síria.
Mas na época em que meu pai nasceu, tudo aquilo era Síria — Síria, Líbano, Palestina, Jordânia — era um só país chamado Síria. Então ele tinha terras lá. E eu dizia: “Vou recuperar uma parte da terra e fazer vinho lá.” Só que, em 67, os israelenses chegaram, ocuparam as Colinas de Golã... e meu sonho evaporou.
Mariana : Meu Deus...
Nasser : Então, acabou… Isso é uma coisa. Mas tem outra. Tenho um amigo enólogo francês, chamado Pascal Fissan. Ele está em Minervois, no sudeste da França. Estava na casa dele uma vez, e ele me perguntou se eu queria expor. Há uma igreja onde fazem exposições, no vilarejo chamado Laconette, perto de Minervois.
Eu disse:
— Pascal, não é uma exposição de quadros que quero fazer aqui. Quero trabalhar num projeto com o vinho, sobre o vinho. Ele disse:
— Genial! — Então comecei a trabalhar com o vinho.
No fim, o projeto não aconteceu, mas isso não importa. Mudança de… O deputado de… Enfim, alguém veio e não quis manter o… Ela quis manter apenas o meu projeto. Mas ele não queria que eu mencionasse o nome de Pascal Fissan para agradecê-lo, porque comecei a trabalhar com ele.
Então não posso fingir que ele não existe. Recusei. Disse: “Tanto faz, não quero. E agora vou fazer em setembro, nos dias 4, 5, 6 e 7. Chama-se “Boulevard de l’Ivresse”.
São paralelepípedos. Sob os paralelepípedos, há molas. Mede cerca de 4 metros por 2,40 metros. As pessoas caminham sobre os paralelepípedos e isso faz com que pareça que estão bêbadas. Depois pedimos que saiam. Uma dançarina entra no lugar delas.
Nesse momento, ativamos, como te mostrei, o vinho que será impulsionado por bombas para cima. Ele cai como cortinas pelos quatro lados. E vemos a dançarina através do vinho.
Mariana : Ah, que bonito.
Nasser : Sim. Então é isso que vai acontecer. Agora tenho duas dançarinas. Tenho a musicista, então está tudo certo. Aliás, havia uma brasileira que conheci em Beirute. Ela tinha origens libanesas, mas não falava uma palavra de árabe... enfim, algumas palavras... mas ela é realmente brasileira.
Ela ensina dança no Líbano. Ama muito o Líbano. Veio aqui em casa. Onde você está sentada, havia os paralelepípedos por toda parte. Ela fez algo muito bonito. Mas é um pouco mais difícil se comunicar com ela à distância.
Mas agora tenho duas dançarinas jovens que podem fazer isso de forma extraordinária. O vinho é uma matéria que não foi realmente explorada pelos artistas. Certo, alguns artistas tocaram com os dedos, com papel, com vinho, etc. Mas eu trabalhei para desenvolver verdadeiras obras de arte feitas unicamente com vinho.
Descobri como fazer contraste — vinho leve, vinho mais escuro… Também encontrei maneiras de preservar as cores. A cor não muda. No início, minhas obras de 30 anos atrás ficaram meio marrons. Hoje, há obras que você vê e têm a cor do vinho. Trabalhei por muito tempo para desenvolver uma forma de trabalhar com o vinho. E pronto. Cada vez, digo: tento abrir outra porta.
Porque, para mim, isso me faz refletir, me faz viver... sentir que há algo novo, há desafios a enfrentar. Quando não há desafios, não gosto. Claro, posso pegar um papel, desenhar assim, fazer algo bonito. Mas, para mim, isso não tem importância.
Por isso digo desde o início: procuro criar obras de arte que nos façam compreender algo, ir mais longe. Como, por exemplo, o móbile que você acabou de ver aqui. Tem outro, aquele na sala onde comemos. O outro funciona com um robô. Ou seja, em vez de você puxar, a haste está nas costas do robô. Você pode ver no meu site.
O robô se move e, portanto, o móbile também se move. Isso exige muitos cálculos, trabalho, reflexão... inventar truques para fazer isso. É o que mais gosto. Não gosto de caminhos já traçados, feitos para seguir. Isso já está feito. Eu gosto de cavar meus próprios caminhos. Pronto. Essa é minha mentalidade.
Mariana : Sim, é muito interessante. O trabalho é… E essa obra vai ser exposta este ano, em setembro, você disse. É isso?
Nasser : Sim.
Mariana : Eu gostaria de ver. Acho que pode ser um pouco difícil, mas eu gostaria.
​
Mariana : Tenho outra pergunta, você já falou um pouco sobre isso, mas quero saber: existe uma representação para o símbolo da espiral?
Nasser : Sim.
Mariana : E para você, o que ela representa? Porque vejo que você a usa com frequência, não?
Nasser : Sim, na verdade, a espiral está muito presente na arqueologia da nossa região, porque há um deus palestino chamado Baal, e o símbolo dele é a espiral.
Mas no começo, sinceramente, eu não fiz isso por causa do deus palestino. Mas aos poucos percebi que até no México, a espiral existe em muitas civilizações antigas. Ela está presente. E também, quando você olha para o planeta, vê todas as estrelas, as galáxias — elas têm forma de espiral.
Então, para mim, eu li e observei… Aliás, tenho muitos livros, como te disse antes, sobre astronomia. E quando você abre esses livros, é impressionante. Fiz uma série de obras chamada “Nebula” (NT: nebulosa). “Nebula” é o gás no céu que forma as estrelas. E quando fiz o *Nebula*, não pensei em fazer *Nebula* de propósito. Eu quase nem sabia exatamente o que era.
Então comecei a trabalhar. Foi em 2013, 2014. Trabalhei, trabalhei, trabalhei. Depois ficou pronto para uma exposição. Então eu disse: “É *Nebula*.” E depois fui pesquisar, fui olhar o que era *Nebula*. Era exatamente o que eu tinha feito.
Então, para mim, um artista está unificado com o universo. Você não está separado do universo. Você não pode pegar um pedacinho, colocar lá longe, trabalhar com ele e esquecer todo o resto. Para mim, tudo é matéria, e toda matéria me dá a possibilidade de trabalhar com ela, seja qual for.
Trabalho com madeira, com metal, com vertigem, com dança, com instalações, com água — muita água. Há muita água no meu trabalho. E fogo.
Mariana : Fogo? Mas como?
Nasser : Bom, fogo... Você vai numa exposição, vê velas, vê... Mas eu comecei, na verdade, a querer fazer coisas que se movem com o fogo também. Porque o fogo, quando você o empurra, ele fica preso, e isso faz girar coisas.
Então, digo sempre: tento explorar. Sou um explorador, não um artista. Aliás, escrevi isso sobre mim: “Nasser Soumi é um artista experimental.” Então eu experimento. E no fim, produzo uma obra de arte. Mas o conceito é muito importante para mim no meu trabalho. O conceito está sempre muito presente.
Ele me ajuda a continuar no meu caminho, a iluminar meu caminho — e isso é muito importante. Então, um artista experimental. É assim que eu me definiria.
Mariana : Sim, acho que isso é muito bom. E... Tenho uma pergunta muito... Não sei... Uma pergunta bem direta. É porque uso muitos pássaros no meu trabalho. E vi que você também usa pássaros. Tem até uma obra chamada “A Pomba”.
Nasser : Sim.
Mariana : Não sei... Ela tem alguma ligação com o conceito de “Sankofa”?
Nasser : Não sei… o conceito de?
Mariana : “Sankofa”. Não sei se você conhece o que é “Sankofa”?
Nasser : Não.
Mariana : “Sankofa” é um conceito africano, na verdade. É um pássaro — lembra um pouco a ideia de Walter Benjamin. É um pássaro com forma de espiral também. É o pássaro do presente que se volta ao passado para pensar no futuro. Porque é preciso guardar o passado, refletir sobre o que passou, para poder pensar no futuro.
Mas por que você usa pássaros, especialmente a pomba?
Nasser : Na verdade, quando eu era criança, eu tinha inveja dos pássaros. Porque o pássaro pode voar, pode ir de um lugar a outro. Eu achava isso incrível. E não é por acaso que eu queria ser engenheiro mecânico de aviação. Queria trabalhar com isso.
Por isso também, em muitas das minhas obras, há hélices — para voar. Mesmo quando você olha aquilo ali, é como uma asa de pássaro, o móbile que você viu funcionando. Então há muitas coisas em mim que lembram o pássaro — talvez não diretamente, não sejam um pássaro, mas são uma asa de pássaro.
Porque voa, gira, brinca — como você viu, quando acelera do jeito certo, ela enlouquece, gira — é genial. Gosto muito disso. É só minha pequena inveja de criança em relação ao pássaro, que eu amo muito.
Sobre “A Pomba”, na verdade, ela tem uma história. “A Pomba” é um apelido da cidade de Jaffa. Um apelido da cidade de Jaffa. Por quê? Um amigo pesquisador me contou essa história. Ele disse que em 1948, quando os israelenses — os sionistas — expulsaram os palestinos de suas casas, havia um homem — um pescador — que tinha um barco.
Ele partiu com seu barco para o sul do Líbano. E as pessoas, quando partiram em 1948, diziam: “É só por uma semana, duas semanas, depois voltamos.” Mas eles partiram... e nunca voltaram. Esse homem era muito especial, muito romântico, muito nostálgico. Ficou no Líbano, mas não queria trabalhar, não queria fazer nada além de voltar para sua cidade, Jaffa. Jaffa, para os marinheiros, quando voltam do mar e veem a cidade de longe, dizem: “Lá está “a pomba”.” Porque Jaffa é uma cidade branca, construída sobre uma colina.
Então esse é o apelido da cidade — “A Pomba”.
E esse homem, seis meses depois de chegar ao Líbano, decidiu um dia pegar seu barco
e ir para o sul, para a Palestina, para Jaffa. Os israelenses o interceptaram no mar. Na época, havia combatentes palestinos tentando voltar, etc. Então pensaram que ele podia ser um deles. Revistaram o barco — mas não havia nada. Nem uma garrafa de água. Nada para comer, nada para beber. Isso mostra que a relação dele com sua cidade era completamente extraordinária, muito forte. Então, quando viram que não havia nada, perguntaram:
— Por que você veio? — Ele respondeu:
— Vim ver a pomba.
Eles acharam que era uma senha, um código secreto. Mas não era — era o nome que os marinheiros palestinos usavam. E eles foram tão sádicos, os sionistas... Que o prenderam dentro do barco. Ele ainda estava longe da cidade. Pediu:
— Deixem-me me aproximar. Depois eu volto. — Disseram:
— Não, não.
O prenderam por uma semana dentro do barco. Uma semana depois, o deixaram partir. Ele voltou ao Líbano. Seis meses depois, morreu de tristeza. Porque não conseguia viver sem sua cidade. Não conseguia viver sem “a pomba”.
Mariana : É uma história muito forte.
Nasser : Sim. Muito triste também.
Mariana : Talvez eu queira... porque acho que tirei algumas fotos. Um momento, por favor. Porque... sim. Sim, essa é “A Pomba”, não é?
Nasser : Exato.
Mariana : Bom. E tem a espiral também, como você vê.
Nasser : Sim. Essa é uma obra que eu fiz.
Mariana : Sim.
Nasser : Isso não fui eu...
Mariana : Não, fui eu.
Nasser: Isso... Chamamos isso de “moucharabieh” na nossa cultura. O que eu quis aqui com “A Pomba” é como os “moucharabieh” da cidade de Jaffa.
Mariana : “Moucharabieh”?
Nasser : Moucharabieh é uma espécie de varanda sombreada.
As pessoas — porque Jaffa está à beira-mar, muito quente no verão — ficam dentro de casa, na sombra. E podem ver quem passa na rua, sem serem vistas. Porque, como estão na sombra, ninguém as vê.
Mariana : Sim, isso é genial.
Nasser : Sim, é genial.
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Mariana : Só mais uma pergunta, obrigada. Há outras, mas acho que essa é a mais importante. Existe alguma influência da caligrafia no seu trabalho?
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Porque vemos que você escreve com frequência. E também, por exemplo, nas suas pinturas, há imagens que lembram a caligrafia. Há alguma coisa aí?
Nasser : A caligrafia está muito na moda entre muitos artistas árabes, que a consideram uma forma de identidade artística árabe. Eu, pessoalmente, nunca fiz isso. No meu trabalho há texto — texto, não caligrafia, ou seja, apenas texto. Pode estar escrito em árabe ou em francês, tanto faz. É texto. Mas caligrafia, nunca fiz.
— Ok, entendi. Ok.



