Entrevista com Pablo Flaiszman
Mariana : As perguntas são muito simples, na verdade. Eu queria saber se você pode falar um pouco sobre o seu processo de criação artística — talvez sobre suas inspirações.
Pablo : Eu trabalho muito a partir de fotos. Faço muitas fotos para ter material que me inspire no meu trabalho. Também trabalho bastante com desenho ao lado, mas principalmente com modelo vivo. Isso é só para treinar meu traço. Para a gravura, os projetos nascem das fotos que eu mesmo faço.
Mariana : Certo.
Pablo : Eu as retrabalho para criar composições. Por exemplo, aqui: faço uma foto sua, depois misturo com imagens de templos, e encontro uma foto que tirei há três anos com outro personagem. Faço uma espécie de colagem.
Mariana : Uma colagem rápida?
Pablo : Não exatamente rápida, mas básica, no Photoshop. Só para criar a composição. Tenho alguns exemplos aqui agora.
Mariana : E esses trabalhos fotográficos ou colagens não dizem muito por si só?
Pablo : São coisas colagens, simples. Mas eu consigo ver que há algo a ser contado através da gravura.
Mariana: A gravura permite ir muito além da fotografia.
Pablo : Exato. Mesmo depois que a composição está pronta, os cenários e personagens são trabalhados na gravura. Alguns personagens desaparecem, outras coisas mudam. Tudo se transforma. E ainda assim, tudo parte da foto.
Mariana : Você usa essas fotos depois, como obras fotográficas para exposição?
Pablo : Não. Não tenho vontade de usá-las assim. Já aconteceu de mostrar algumas colagens fotográficas numa exposição, só para ilustrar meu processo preparatório. Às vezes, tiro fotos que já estão boas como estão — não preciso transformá-las em gravuras.
Mariana : Entendi.
Pablo : Mas não sinto necessidade de expor. Porque na fotografia, é sempre eu. Há fotógrafos que admiro muito, mas quando vejo exposições de fotos, sinto que falta algo. É plano demais. Na gravura, você pode ir além da realidade, além da limitação que a foto impõe.
Mariana : Mesmo que você tenha feito toda a composição da foto?
Pablo : Sim. A foto é um instante. Você não pode mudá-lo. Na gravura, você pode mudar tudo.
Mariana : Eu penso da mesma forma. Mesmo usando fotos, gosto da materialidade da gravura.
Pablo : Quando usamos a gravura, ela está entre a pintura e a escultura. Você trabalha o tempo todo sobre uma matriz — uma placa de metal — que depois imprime no papel.
Mariana : Mas o seu trabalho não está no papel em si?
Pablo : Sim, eu fiz isso
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Mariana : Existe uma razão pela qual você escolheu usar imagens mais realistas, mesmo que elas não sejam mais pictóricas?
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Pablo : Não, não... Não tem... Não é algo pensado. É... Desde sempre, desde que comecei, há muito tempo, a desenhar e pintar, a figura humana já estava lá.
Mariana : Então é natural, não é algo racional?
Pablo : Exato. Não sei explicar. É assim. Não tem... Não tem um porquê. Talvez seja uma vontade de usar o... Nem é vontade, é... Vem sozinho, sabe?
Acho que tem pessoas que são expressionistas por natureza, outras são “naïfs” por natureza, outras talvez geométricas por natureza. Tem algo que... Como dizer... Não é pensado. Não sei de onde vem, mas acho que não tenho uma resposta para o porquê de gostar da figuração realista.
Mariana : Eu também percebi que você usa com frequência a imagem do ser humano, a figura humana...
Pablo : Isso é desde sempre. Sempre foi assim, como eu disse.
Mariana : Existe uma temática específica na figura humana que você prefere ou que te atrai?
Pablo : Não sei se é uma temática. É mais como um fio condutor, digamos assim.
Você pode encontrar isso ao longo de toda a minha trajetória. Mas é a mesma coisa — não é conceitual. Não é buscado, não é pensado. Simplesmente vem. Meu trabalho foi evoluindo, e a figura humana sempre esteve presente. Aos poucos, vieram os interiores, as cenas...
Mariana : E tem algo que, para você, é essencial em cada obra?
Pablo : Sim. O que tento fazer é contar uma história. Uma emoção, algo que incomoda, algo que provoca. Se não tiver isso, para mim, a obra pode funcionar — a composição, a técnica, tudo pode estar certo. — Mas se não tiver essa história, essa narrativa... Não é que seja ruim, talvez... É técnica pela técnica. Não é sério.
Mariana : Entendo. Então, se não houver história, talvez a técnica não funcione?
Pablo : Pode funcionar, sim. Pode acontecer de eu fazer uma gravura que tecnicamente está ótima — a composição está boa, tudo certo — mas não acontece nada. Não tem história, não tem emoção, não tem nada. Mesmo que os personagens estejam lá, pode funcionar tecnicamente, mas não transmite nada.
Mariana : E o contrário também pode acontecer?
— Sim. Pode ser que tecnicamente não esteja tão bem resolvido, mas que tenha uma expressão muito forte. Isso também acontece.
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Mariana : O que você acha da esfera inconsciente na arte? Ela tem um papel no seu trabalho?
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Pablo : Completamente. Para mim, a arte está no mesmo caminho do inconsciente, do sonho. Se não tiver isso... Veja, eu aprendi que quando trabalho sem o inconsciente, quando começo a pensar demais, não funciona. É muito difícil, mas é preciso dominar a técnica para esquecê-la e deixar o testemunho agir sem a cabeça.
A cabeça serve para organizar um pouco, senão vira loucura. Mas o ideal é trabalhar na arte como se fosse um sonho. É o inconsciente que trabalha. Você faz coisas que nem sabe como está fazendo. Suas mãos fazem algo e você se pergunta: “O que elas estão fazendo?” E elas sabem. É o inconsciente agindo.
E assim que você começa a pensar, não funciona mais. Isso é algo que hoje eu respeito muito. Se eu sinto que não estou nesse estado, não trabalho. Por exemplo, se estou trabalhando numa placa e percebo que não estou em diálogo com ela, que não estou me deixando levar inconscientemente, eu fecho o ateliê e não trabalho.
Mariana : Entendi.
Pablo : Porque não adianta. Se você começa a pensar, não dá. Às vezes, sim — quando está quase pronto, e você só precisa fazer alguns retoques técnicos, você faz. Mas quando é um processo criativo, é o inconsciente. Pelo menos no meu trabalho. Se você faz arte conceitual, é o oposto.
Mariana : Concordo.
Pablo : E tudo bem. A arte conceitual pode ser muito bonita, muito interessante. Mas acho que perde um pouco o sentido.
Por isso é conceitual. Não é um problema, é outra coisa. Mas veja, a arte não é uma competição. Não é sobre quem faz melhor. Cada um faz do seu jeito. Em cada movimento artístico, há coisas muito boas e outras nem tanto.
Mas para mim, o verdadeiro trabalho artístico vem do inconsciente. É o inconsciente através de uma ferramenta que é o artista. Se esse artista dedicou tempo para dominar a técnica, ele se torna um instrumento afinado. E quando o inconsciente trabalha, não há erro. Quanto mais você domina a técnica, mais pode esquecê-la. E tem mais liberdade no trabalho — ao contrário do que muitos pensam — que dominar a técnica limita a criatividade.
Sim, é verdade. Eu digo às pessoas: primeiro você precisa saber como fazer algo, depois pode desconstruir. Senão, como você vai desconstruir algo que não sabe construir?
Mariana : Concordo totalmente com você. Mas aprender a construir algo leva muito tempo. É um trabalho enorme.
Pablo : Sim.
Mariana: E nem todo mundo está disposto a isso.
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Mariana : É uma pergunta que aparece com frequência, mas se você quiser falar naturalmente... como você se tornou artista? Por que começou a estudar arte? Houve uma razão ou foi por acaso?
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Pablo : Veja, quando cheguei aqui em Paris, várias vezes me perguntaram: “Você veio para Paris porque queria ser artista?” E eu dizia: “Não, eu já era.” Há uma armadilha na palavra “artista”. Tem muita gente que é autodidata, que se diz artista... Mas quem te disse que você é artista? Como você se reconhece como artista?
Mariana : Sim, entendo.
Pablo : Se você me perguntar por que me tornei artista... Eu diria que foi natural. Desde pequeno, não sei fazer outra coisa.
E é algo que, se você consegue parar de fazer — não por questões externas, como precisar comer, ter uma família, não ter tempo — mas se você consegue parar por vontade própria, então talvez você não seja artista. Mas... bom, talvez eu esteja falando besteira.
De qualquer forma, desde pequeno, eu sempre desenhei. Tive a sorte de ter o apoio dos meus pais. Mesmo sem artistas na família, meu pai gostava muito de arte. Ele era médico, mas adorava desenhar. Acho que ele ficou feliz por eu seguir uma vida que ele mesmo não pôde viver.
Mariana : Sim.
Pablo : Claro, pode ser que isso tenha sido o desejo do meu pai, mas se eu não tivesse talento, se não tivesse vontade, eu não teria feito. Eu queria fazer, e fazia de forma muito natural. Desenhava o tempo todo, criava o tempo todo. Nunca tive aquele momento de pensar: “Não sei o que fazer da minha vida.”
Mariana : Eu te entendo. Sinto a mesma coisa.
Pablo : Já pensei em abandonar a arte muitas vezes, porque é difícil, não dá dinheiro. Mas sei que não seria feliz. Não tenho outra opção.
Mariana : Exato.
Pablo : Essa é minha resposta. Não é muito clara, mas é isso.
Mariana : Eu entendo. E é muito bonito.
Pablo : Lembro de um artista... eu tinha uns 18 anos. Alguém que trabalhava no ateliê chegou e disse:
— “Porque nós, artistas… — E meu professor respondeu:
— Mas quem te disse que você é artista?
Isso vem com o tempo, com o trabalho, com o retorno das pessoas. Hoje, depois de mais de 30 anos trabalhando com arte, posso dizer que sou artista porque as pessoas me confirmaram isso. Mas quando você vê no Instagram, jovens que criam uma conta e já se chamam “artistas”... Você pensa: “Você fez três desenhos, calma.” É um título... Não sei.
Mariana : Eu entendo.
Pablo : Pode ser uma palavra banal, mas também pode carregar um peso enorme.
Mariana : Sim, exatamente. A gente não nasce artista — a gente se torna artista. Você acredita nisso?
Pablo : Não.
Mariana : Ah, você acha que nascemos artistas? Mesmo que nasçamos artistas, ainda precisamos desenvolver.
Pablo : Claro, há trabalho, estudo, tudo isso. Mas nem todo mundo nasce com as mesmas condições.
Mariana : Sim.
Pablo : Sabe... Astor Piazzolla dizia: “Não se torna original — nós nascemos originais.” Claro, depois vem o trabalho. Você pode gostar de desenhar, praticar oito horas por dia durante dez anos, e se tornar um excelente desenhista. Mas se não tiver o fogo, o estado criativo...
Você pode aprender a desenhar, mas não pode aprender a criar. A criação, você tem ou não tem. Isso não se ensina. Pode ser desenvolvida, praticada, mas você tem ou não tem.
Mariana : Eu acho que talvez a criação artística seja algo com que nascemos — ou não. Mas acredito que todos nascem com a capacidade de criar. Talvez não seja nas artes plásticas ou na música, mas em outra área.
Pablo : Com certeza. Você pode ter talento esportivo, ou qualquer outro. Mas é aí que entram as nuances da palavra “artista”. Quando você diz “você não é artista, você se torna artista”... Sim, qualquer um que cria algo e mostra pode ser chamado de artista. Mas se falamos do verdadeiro sentido da palavra “artista”... Acho que você já é. Claro, precisa trabalhar, praticar.
Mariana : Se você nasceu com isso, mas não usa, não pratica...
Pablo : Sim, totalmente.
Mariana : Eu te entendo.
Pablo : É um pouco salgado, né?



