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Entrevista com Maria Helena Andrés

Mariana: Essa é uma entrevista com a artista plástica e pesquisadora, a arte educadora Maria Helena Andrés. Ela faz parte dessa pesquisa de doutorado que eu estou conduzindo no momento, que é uma pesquisa que trata sobre a imaginação criadora, sobre o processo artístico, sobre a poética dentro das artes. E eu gostaria de agradecer à senhora por nos receber aqui na sua casa e por fazer essa entrevista, à Marília, à minha orientadora também, a Maria do Carmo de Freitas Veneroso. 

Gostaria de saber qual a importância do desenvolvimento da criatividade no contexto artístico, na sua opinião. Como você acha que a criatividade é importante dentro da criação artística, dentro do processo poético?

Maria Helena Andrés: Eu acho que não se faz arte sem criatividade. A criatividade é imanente, já existe dentro, desde criança. A criança é criatividade. Nós vamos, aos poucos, com o tempo, perdendo essa ligação com a criatividade, com a espontaneidade. Para o estudo de arte — não digo para o desenvolvimento de uma criança, mas para o estudo mesmo — deve-se dar uma importância muito grande a esse processo criativo, porque é ele que vai nortear tudo. Isso vale tanto para os artistas quanto para os estudantes de arte. Mas eu acho que sempre deve haver uma síntese, uma ligação entre o espontâneo, o criativo e a disciplina. Nunca se pode abandonar a disciplina. A disciplina é importante, é ela que dá direção.

No livro — você falou sobre os livros, vai chegar lá ainda — pois é, agora respondi essa pergunta mais ou menos. Eu peço desculpas a vocês, porque estou com uma gripe que está durando muitos meses já. Já está para o terceiro mês, sempre com muita tosse. Então, não posso falar por muito tempo. Mas penso que o desenvolvimento da criatividade é você deixar a criança espontânea. Quando chega na escola de belas artes, por exemplo, não se deve preocupar tanto em ensinar, mas em despertar o que já existe em cada um. A arte não se ensina, desperta-se, orienta-se. Isso que eu penso. Tem que haver, da parte do professor, uma certa humildade para não querer logo de cara começar a administrar muita teoria. Ele coloca uma barreira na frente do aluno. Tem que ver o que o aluno pode fazer, o que ele tem de natural, de criativo, já dentro dele.

O Guignard costumava falar assim — o Guignard era muito bom professor de arte — ele costumava dizer, quando chegava perto de um desenho: “Coisa nova!” Achava uma maravilha, uma coisa nova. Ao invés de querer impor o dele, ele procurava despertar no aluno aquilo que o aluno já tinha. Então, eu segui essa direção que o Guignard nos deu a todos nós, professores.

A criatividade pode ser conduzida, pode ser orientada, mas ela tem que sempre ser despertada e estimulada para que o aluno possa progredir dentro da possibilidade dele, e não dentro da possibilidade do mestre, do professor ou do vizinho dele. Cada um tem a sua forma de expressão. Cada pessoa é diferente da outra. Às vezes, os irmãos da mesma família, uns são diferentes dos outros. Uns gostam de uma coisa, o outro já tem a vocação para a outra. Tem que ver o que o aluno tem dentro dele e que deve ser desenvolvido. Eu penso assim.

Mariana : Eu concordo, mas uma coisa que eu fico em dúvida é em relação à dicotomia entre a intuição e a reflexão. Porque você disse que, às vezes, precisa se tomar cuidado em colocar muita teoria dentro da formação desse aluno, desse ser que está criando artisticamente. Como você acha que a intuição e a reflexão devem ser usadas dentro do próprio trabalho, do trabalho artístico, principalmente?

Maria Helena Andrés: Pois é, eu acho assim. A intuição existe. Ela existe mais forte, às vezes, em determinado aluno do que no outro. É uma coisa que vem de dentro, que a pessoa sente, de repente, que tem que ser aquele caminho. Tanto faz em artes plásticas como também em literatura. Tudo isso tem que haver a intuição. Ela tem que seguir aquilo que, de repente, lhe veio, de dentro dela mesma. Existe um mundo interno dentro de nós mesmos. Isso eu falei muito em Vivenciar, no primeiro livro que eu escrevi. Que existe um mundo interno, que é mais real, mais verdadeiro, talvez, do que o outro modelado pela matéria.

Gente, eu já escrevi isso há quantos anos, não é? Muito antes de eu começar a estudar a filosofia oriental e outras correntes que dão mais valor à intuição. A intuição é você sentir que tem que ser feito daquele jeito. De repente, você dá um clarão, não é? Tudo está muito cheio de teoria. O mundo é muito cheio de teoria. Mas você não pode botar a teoria antes da intuição, antes da espontaneidade, daquilo que a criança ou que o jovem tem dentro dele. Não pode. Se você botar teoria na frente, vira uma coisa que durou muitos anos: o academismo.

O academismo veio de teorias e fórmulas que foram colocadas na frente dos artistas, na época dos renascentistas, como se aquilo fosse um padrão que não tivesse mais possibilidade de se fazer nada. Aquilo era o máximo. Então, eu acho que esse padrão foi quebrado com os primeiros pintores modernistas. Isso começou numa época, lá no século... não me lembro mais... 1800 e tanto, em Paris, na França e em vários países europeus. Eles começaram a se revoltar contra os padrões, contra aquilo estabelecido, que tinha que ser daquele jeito, senão não tinha valor.

Eu estudei numa escola acadêmica, por isso eu posso falar. Antes de começar a estudar com o Guignard, eu estudei no Rio de Janeiro, na Escola de Belas Artes, com um professor acadêmico. Então, eu acho que o academismo, no momento, eu não sei se é importante seguir. Bom, pode ter muita gente que segue e dá certo. Mas eu acho que não é por aí. É muito forte a imposição vinda de fora. Para a pessoa se libertar daquilo, ela tem que fazer o que ela sente. O caminho é direcionado de dentro para fora. É a inspiração, é a intuição, é aquele clarão que chega, o uso chega. E, com isso, nós estamos andando, né? La nave va.

Mariana: É, la nave. La nave va.

Maria Helena Andrés: Eu gostei desse título, que é de um filme de Fellini, né? E eu falei: bom, tá bom para mim isso. A nave va, porque foi uma... não digo que foi uma intuição, foi uma volta às minhas origens. A minha origem dentro do abstrato, da pintura não figurativa, ela data de 1900 e... espera aí, foi logo que eu... quarenta e quatro... não, em 44 eu estava acadêmica ainda. Quando foi lá por volta de 1950, por aí, eu soltei bastante o academismo e comecei a trabalhar muito dentro dessa pintura mais moderna, mais de acordo comigo mesma, e não de acordo com os padrões.

Hoje em dia, os médicos me falam: “Você é fora do padrão, tem que seguir desse jeito assim, mais natural e tudo, não pode ser imposto.” Bom, isso é medicina, não é? Vem cá, o que vocês querem mais?

Mariana: Então... tem uma coisa aqui, tem duas questões na sua fala agora que estão, inclusive, dentro do que eu coloquei como dúvida, como pergunta. Uma é em relação ao movimento, porque você sempre buscou conhecer outros lugares, viajou muito, conheceu outras culturas, você sempre continuou trabalhando, se movimentando, produzindo. 

 

E eu queria saber como você considera importante o movimento, tanto o movimento físico, geográfico, de conhecer outros lugares, outras culturas, quanto o movimento de produção mesmo. Qual é a importância dele na imaginação e na produção artística, de estar se movimentando artisticamente ?

 

Maria Helena Andrés: Sem movimento a pessoa para e morre. Tem que haver movimento. Esse movimento é muito importante. E a pessoa se dirige através disso, desse movimento interno que ela sente quando vê afinidade com alguma ideia. Há um movimento interno dela, mas nunca para copiar aquilo que ela viu — sempre para criar uma coisa nova. Esse movimento pode vir, inclusive, da espontaneidade da criança. A criança é importante. Sempre foi importante para mim, na minha vida, porque eu tive seis filhos e produzi na época em que estava fazendo minhas pinturas concretistas — que eu chamo de concretistas, mas são construtivistas, não é?

Essa é uma época mais concentrada, mais dirigida por uma coisa que parece que tudo tem que ser feito de acordo com aquilo. Você tem que parar e pensar para refletir, mas com o menino brincando perto e interrompendo e tudo. Então, eu acho que a presença da criança gera um movimento de espontaneidade muito grande. E agora eu estou com esse neném aqui, que é o meu bisneto, filho da Helena. Ela veio morar aqui comigo e eu, todo dia, já acordo com aqueles olhinhos pretos, assim, olhando para a gente, dando palpite. Ele está com um ano e oito meses, mas é uma criança que me ensina muito. As crianças ensinam constantemente. Esse fator da espontaneidade... não tem igual. A criança é muito importante.

(...)

Maria Helena Andrés: Isso nos movimentou na Europa e nos movimentou no Brasil também. Nós recebemos de lá todos aqueles movimentos que vieram da Europa, inclusive o movimento que vem da Rússia em relação ao construtivismo. Por que o Brasil aderiu de forma tão espontânea a esse construtivismo? Eu acho que nós já temos a herança dos índios, que são construtivistas espontâneos por natureza. Então, recebemos com muita alegria esse movimento construtivo.

Eu ia sempre à Bienal de São Paulo. A segunda Bienal é considerada a maior exposição coletiva que já existiu nesse nosso mundo ocidental. Então, eu acho que foi importante esse movimento construtivista e também outros movimentos que vieram, aos quais os artistas aderiram. A espontaneidade, por exemplo, a pintura gestual — ela vem de dentro, do artista ou do aluno, do estudante. Ela vem espontânea. Pode-se considerar artes visuais, mas não há necessidade de observar os objetos e as figuras. Tudo está dentro da pessoa, e é de lá que vai sair a arte.

Eu, no momento, não estou enxergando bem, nem para leitura. Não estou lendo mais, porque a letra tem que ser muito grande. Estou com mácula na minha visão. Então, não posso dizer que seja arte visual, não é. A minha arte, me disseram, ela vem da alma, vem de dentro. E é muito ligada a essa espontaneidade. Vou fazer uma exposição na galeria Lemos de Sá que é toda gestual. Não há necessidade de enxergar muito para isso, porque é um gesto — é quase uma dança, não é? É um movimento. É mais ligada ao movimento que você quer do que à observação. Bom, não sei se enveredou para um caminho que não seria, talvez, de interesse seu.

 

Mariana: Você acredita que o fato de ser mulher interferiu ou interfere no seu trabalho, na sua carreira? E se poderia nos dizer como? Porque você falou que teve seis filhos. Então, imagino que isso deve ter interferido de alguma forma também — o fato de ser mãe, de ter várias crianças, como você disse. Ou seja, se o fato de ser mulher interferiu ou interfere no seu trabalho, na sua produção.

Maria Helena Andrés: Eu acho que é muito bom. Para mim, foi importante ser mulher, porque acho que a mulher tem possibilidade, pela sensibilidade dela, de cuidar da arte como se fosse cuidar de um filho também. E essa possibilidade de ser mãe é importante — para esse tipo de pintura que eu faço, é muito importante. A criança também é tão espontânea nos seus desenhos, não é? Quando você põe, tem que pôr muito papel para a criança pintar o que ela sente. E a mãe tem que orientar — não corrigindo, mas dando impulso, dando mais estímulo para a criança fazer. Elogiando, né? Falando que está lindo, vamos fazer mais e tudo.

Agora, o adulto também pode ser considerado como uma criança, um estudante de arte. E ele tem que ter estímulo. Você tem que fazer com ele, para ele vir à tona. Ele tem que ter estímulo. Não pode ficar impondo coisas, nem dizendo: “Ah, não está bom isso aqui, você tem que fazer desse jeito.” Não é?

Mariana: Você acha que o abstracionismo é talvez um caminho natural dentro da produção do artista, ou é uma escolha pessoal de cada um? Porque noto que isso às vezes é muito constante na produção dos artistas — começar com o figurativismo e depois mudar para o abstracionismo.

Maria Helena Andrés: A minha mudança não foi muito repentina, não. A minha mudança do figurativo para o abstrato foi feita eliminando as coisas desnecessárias para deixar só o essencial. Foi um caminho para o essencial. Eu senti isso depois que vi o meu percurso, que começa com a pessoa querendo fazer a figura — e eu fiz a figura detalhada. — O Guignard exigia da gente detalhes no olho, por exemplo: desenhar aquele olho perfeito, desenhar a pessoa como ela é, perfeita. Ele dava muita força para uma aluna que foi professora de arte lá, Solange Botelho, que fazia esse desenho muito rigoroso.

Eu, por exemplo, quando comecei, já tinha uma formação acadêmica e tive que romper com aquilo para seguir o que achava mais necessário para um crescimento dentro da arte. E o crescimento, eu vi que era ligar a disciplina com a liberdade. Nem muita liberdade demais, nem muita disciplina demais — mas seguir um caminho que fosse legal, que fosse de acordo com o que eu sinto que deve ser. Então, eu acho que é isso. Com isso, estou vivendo até hoje, né? 103 anos, porque eu faço o que eu gosto. Ninguém me impôs as coisas. Tenho dificuldade de ficar obedecendo: “faça isso, faça aquilo.” Não. Principalmente no campo das artes.

No campo das artes tem que haver um respeito muito grande à vocação, àquilo que você realmente gosta. Então, não se pode ficar impondo as coisas. E há um crescimento que, ao mesmo tempo, está ligado ao crescimento espiritual das pessoas. Há, por exemplo, na Índia — viajei muito pela Índia fazendo uma pesquisa. Estive no Ashram e na Comunidade de Sri Aurobindo. Ele ensinava assim: você tem que dar para a criança aquilo que realmente ela gosta. Se ela tem tendência para a música, se gosta de flauta, não vai dar só um outro instrumento porque ele existe ou é mais barato ou está dentro da sua casa. Se dá aquilo que for necessário para o desenvolvimento dela.

E eu senti que lá existe uma semelhança muito grande com o ensino do Guignard. Acho que me senti em casa. Mas não são todos não, viu? Essas duas comunidades eu gostei. Porque nas escolas, de modo geral, não são assim. A comunidade de Krishnamurti e a comunidade de Sri Aurobindo foram as duas que eu mais gostei.

 

Mariana: E de onde surgiu esse interesse pelo mundo oriental e pela Índia? Teve algum lugar em especial? Teve um motivo que fez com que você fosse para lá em um primeiro momento? Qual foi a primeira fagulha?

Maria Helena Andrés: Eu acho que esse interesse pelo Oriente já veio há muito tempo. Eu gostava muito das histórias infantis — Mil e Uma Noites, Simbad — o Marujo. Essas histórias em que a pessoa roda o mundo todo, vai conhecendo. Acabei fazendo a volta ao mundo, de fato. Mas é interesse pelo mundo todo. Então, eu acho que... O que você perguntou?

Mariana: Você já respondeu. Mas foi isso mesmo. De onde veio esse interesse?

Maria Helena Andrés: Desde a infância, não é? Depois, com o modernismo, percebi essa possibilidade maior de acrescentar, de sempre fazer aquilo que eu estava realmente gostando de fazer naquele momento. Não por imposição externa — mas por uma necessidade interior.

É... Vamos lá. Agora, o adulto já quer, já é outra formação diferente. Então, há necessidade de se fazer o desenho bem disciplinado. Não é assim procurando fazer sombra, mas procurando a linha. Vai se dirigindo de forma rigorosa também. Mas depois você tem que ser espontâneo, fazer uma coisa e outra. Guignard fazia isso. Ele dava esse desenho muito rigoroso — um desenho com lápis duro. Não era com o lápis que permitisse fazer sombra, muito sombreado. Era lápis duro. E depois ele deixava o aluno se soltar mais, para desenhar assim, quer ver? Parte de um ponto. Um ponto no papel. E vai com a linha para lá e para cá, para lá e para cá. Você sabe que deu certo para mim. Até hoje eu consigo isso a partir de um ponto. E esse desenho, muitas vezes, dá para fazer escultura.

Mariana: Sim. Eu concordo. Cada um tem seus processos. Eu vi no seu catálogo isso que você fala, dos pontos que vão criando a escultura, o bidimensional, o tridimensional. E é outra coisa que eu percebo — esse desejo de partir do bidi para o tridi, que é o que tem acontecido muito com o meu trabalho. Apesar de eu não fazer esculturas propriamente ditas, eu faço mais assemblages.

Maria Helena Andrés: Você faz assim?

Mariana: Não, eu faço assemblages. Trabalho com o espaço expositivo e com a inserção de gravuras em objetos. Já fiz também pintura — era pintura mais de figura humana. Quando mudei para a gravura, mudei para paisagem. Isso fez mais sentido para mim, trabalhar com a paisagem do que com... com as imagens. 

Maria Helena Andrés: Entendi. E você faz a mistura das duas também?... É, eu acho que a mão da gente tem ligação direta às vezes. Por exemplo, quando você faz uma pergunta… você conhece o I Ching?

Mariana: Uhum, sim. Conheço. Conheço, mas nunca joguei o I Ching.

Maria Helena Andrés: Quando você vem com o seu dedo, vai passando as páginas e para em determinado lugar. Sentindo o dedo — é aquela resposta para você.

Mariana: É um oráculo, né?

Maria Helena Andrés: Um oráculo. Eu tenho vontade de fazer o I Ching. Ninguém gosta de fazer o I Ching dos chineses também. Por causa dos chineses antigos, né? Bem antigos.

É, eu vi também. Também passei por algumas partes sobre isso. Eu sempre gostei de escrever também. Não é só pintura, não. Eu ia escrevendo e tinha tempo para tudo.

Mariana: É, uma das perguntas que eu tenho aqui é sobre isso. É só o tempo. Um tempo. Não é?

Maria Helena Andrés: Sim. Porque tem artistas que acham que para ser artista tem que ficar nas rodas boêmias, bebendo cerveja. Eu não gostava. Tem bastante. Acho que isso até pode acontecer, mas se é só isso, se a pessoa gasta tempo demais com isso... mas aí não pode ser a única coisa. E muita gente faz isso.

Mariana: Eu vou fazer para a senhora mais três perguntas, tá?

 

Uma delas é se a senhora já leu ou tem alguma influência do Bachelard, do Gaston Bachelard, ou do Jung, do Carl Gustav Jung.

Maria Helena Andrés: Não, não li Bachelard, não. Jung, sim, eu tenho. O Jung eu sempre li.

Mariana: Ah, sim. Porque eu vejo que tem várias coisas nos escritos da senhora, nos pensamentos da senhora, que parecem ter influência, ou que se assemelham, que se aproximam de alguma forma.

Maria Helena Andrés: É, eu acho que a gente nunca faz um livro tirado do nada, não. Você faz depois de muitos anos de estudo, muita leitura e muita, muita, às vezes, participação em congressos, nessas coisas. Porque as ideias circulam ali, naquele círculo, né? E com isso você se enriquece também. Agora, o Jung — eu gosto muito. Foi muito bom ter lido e refletido sobre as ideias dele. Eu acho que sempre há uma relação entre a arte e a psicanálise, entre a arte e a psicologia.

Mariana: Entendi. É, eu percebi algumas aproximações e fiquei intrigada para saber se realmente era algo que... era só uma impressão ou se existia realmente essa influência. 

 

Mariana: Eu tenho uma dúvida bem específica em relação ao uso do azul nos seus trabalhos. Principalmente na fase das mandalas, eu vejo que você usa muito os azuis. Nos barcos também, das naves. Tem algum motivo especial para escolher o azul?

Maria Helena Andrés: O vazio, né? O azul… Não sei, quem sabe o azul é vazio também. O azul é predominante, né? É porque eu gosto. Agora, o azul — você encontra na natureza o elemento água mais predominante nos mares, né? Os mares não são tão verdes, são mais azuis, para mim, é o que eu vejo. E o céu? Agora é o céu azul que me dá uma ideia de enxergar à distância. Você pode enxergar as montanhas aqui à distância. Estou gostando de ficar algum tempo, de ficar nesse tempo mais aqui no Retiro das Pedras. O Retiro, para mim, era uma casa de fim de semana. Passou a ser a minha residência. Então, eu vou pouco a Belo Horizonte, mas eu acho que é importante, para mim, neste momento, poder enxergar as montanhas que se perdem — a perda de vista quase.

E o azul começa, depois ele vai se transformando ali. Está vendo? Vai ficando mais claro, mais lilás. Ou então com uns toques de amarelo também, quando o sol está se pondo. Eu gosto muito de descer daqui e ir lá embaixo, sentar num banquinho para ver o pôr do sol. Mas daqui de cima mesmo eu posso ver quando o sol está nessa direção. Mas o azul — o Guignard era louco com esse azul do céu de Minas. Então, eu acho que essa fase de barcos e a fase dos astronautas incluem movimento e incluem também essa predominância do azul.

Mariana: É porque o que me chamou a atenção, além de ser uma cor que eu gosto muito, que eu acho muito onírica, traz para mim muito essa ideia do universo do sonho, do universo poético e até um pouco melancólico. Mas uma coincidência é que em um dos artistas que eu entrevistei na França — ele é um artista palestino, que veio da Síria, se não me engano — há muita predominância do azul em seu trabalho. E ele faz referência a esse azul também pensando no mar, no caso do porto, do mar durante a sua infância, e também por causa das tonalidades que eram usadas para tingir as roupas.

E eu achei engraçado porque foi uma coincidência que tanto ele quanto você utilizem essa cor, que para mim também é muito significativa. Por isso que eu quis te fazer essa pergunta, porque eu entrevistei esse artista completamente sem querer, totalmente acidentalmente. Foi uma pessoa super gentil que também me recebeu, assim como você, e que me mostrou esse trabalho tão bonito, e que tem essa cor, que para mim é uma cor tão importante.

 

Bom, para a gente terminar, a última coisa que eu gostaria de te perguntar — como você tem vários trabalhos publicados, tem livros escritos, e tem reflexões muito bonitas nos seus livros — eu gostaria de saber qual é a importância da escrita, do texto, na sua produção, na sua reflexão, na sua poética, na sua criação artística?

Maria Helena Andrés: Bom, é porque eu tenho tendência para as duas coisas — para pintura e para escrever também. Eu tenho muita necessidade de transmitir. Agora, já não posso muito mais, mas sempre tive essa necessidade de compartilhar pensamentos, minhas reflexões — tudo isso é escrita. A escrita, para mim, não é baseada na cópia de alguém, mas na reflexão sobre o que o outro diz. Já escrevi muito sobre outros pensadores, e esses pensadores me estimularam a crescer dentro do meu próprio pensamento. Não é para copiá-los, mas para poder crescer dentro daquele pensamento que eu achava interessante, que eu achava bom.

Com isso, fui intuitivamente conduzida para reflexões sobre a unidade planetária, a unidade do planeta, e uma síntese do Oriente com o Ocidente. Isso foi predominante no meu trabalho de reflexão. O livro Os Caminhos da Arte, por exemplo, pesquisa muito essa unidade — a unidade entre o que nós sentimos e o que existe. Então, para mim, é essencial falar sobre o que a gente pensa, escrever.

Durante minhas longas viagens para a Índia e tudo mais, eu costumava pegar pequenos cadernos — que eu nem sei onde estão agora — e tinha um baú cheio de caderninhos com pensamentos, com tudo que eu estava vendo ali naquele momento. Isso, algum dia, pode virar um livro ou pode virar mais reflexão, não sei. Mas, para poder escrever um livro, é preciso ler muito também. Sem leitura, fica uma coisa meio infantil, quase. Tem que haver leitura, de acordo com o que você intenciona fazer. Se for um livro de reflexão, tem que ser assim. Agora, o livro de poesia não precisa tanto — ele vem mais direto. Mas eu não sou poeta. Eu sou artista. Transmito através da cor, da forma, da linha, através desses elementos nas artes plásticas. E acho que as artes plásticas também conduzem à reflexão escrita.

Sempre fiz as duas coisas. Sempre me transmiti de duas formas: como pensadora e como pintora. Nunca uma coisa só. Então, até hoje, ainda tenho isso. Passei 103 anos assim — não vou mudar.

Mariana: Nem precisa, nem deve. Por favor, não mude.

Maria Helena Andrés: É, 103 anos. Ah, sim. Agora parece que chega, não é?

Mariana: Só mais uma. Só mais uma questão. Então, vamos. Espera aí que eu tenho que achar. É relacionada ao seu Instituto — ao Instituto Maria Helena Andrés — que é em relação à percepção da arte como uma forma de crescimento do homem, como desenvolvimento humano. 

O seu Instituto foi fundado pensando na promoção do desenvolvimento humano e no despertar da consciência. Você crê que a criação artística nos leva de encontro com o outro e com essa busca por desenvolvimento também no âmbito coletivo?

Maria Helena Andrés: Olha, aqui tem uma que foi presidente do Instituto durante muito tempo. E ela sempre foi uma pensadora. Os livros que ela escreve denotam isso. Não sei se você conhece os livros da Marília — de reflexão, tudo isso. Ela pode responder melhor pelo Instituto. Entra na dança. 

Marília Andrés: Mas eu acho que é isso aí: é o desenvolvimento humano, o desenvolvimento da criatividade. Isso a gente buscou fazer, ainda busca fazer com o Instituto. 

Fizemos ações coletivas, ações na comunidade de Entre Rios de Minas, porque o Instituto começou lá, em Entre Rios. Procuramos fazer lá uma série de ações artísticas — festivais de arte, oficinas — para mostrar à comunidade que existia essa possibilidade de trabalhar com arte. E isso continua lá, espontaneamente. Eles continuam fazendo oficinas de música, oficinas criativas. E nós trouxemos o Instituto para cá, para focar mais no trabalho artístico dela, na produção.

Agora estamos desenvolvendo exposições, fazendo publicações, livros, etc. Fazendo essas ações mais voltadas para ela — para o trabalho, para o pensamento, para a arte dela. É isso. Acho que tudo isso contribui para o desenvolvimento humano. 

Maria do Carmo Veneroso: Para divulgar, para que os outros conheçam o trabalho, o que é tão importante. 

Marília Andrés: O trabalho que vocês estão fazendo, inclusive, com essa entrevista, é importante também para divulgar o pensamento e a arte dela.

Mariana: Respondeu muito bem. Eu queria agradecer a todos pela presença, à senhora por nos receber, à Marília por ter aceitado ajudar a promover esse encontro, à Cacau, que foi quem me trouxe essa ideia — uma ideia muito importante dentro dessa pesquisa — e que eu espero que possa ser compartilhada com várias pessoas futuramente também.

E, de qualquer maneira, eu acho que foi muito, muito... não só prazeroso, mas foi muito... me fugiu a palavra... muito rico. Obrigada, Cacau.

Maria Helena Andrés: Sempre é.

Mariana: É, muito rica. Aprende-se muito com a senhora. Muito obrigada por compartilhar seus pensamentos, seu tempo. Eu agradeço a vocês — sua energia, sua casa.

+ (55) (31) 9.8338-7591

Ateliê: Rua Inhaúma, 126, Belo Horizonte, MG

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