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Relato do cientista da computação

Um dia de inverno em Paris. Os paralelepípedos ainda brilham com a umidade residual da última chuva, e a luz tem aquela limpidez peculiar do pós-tempestade, que a faz parecer lavada pela chuva. De tempos em tempos, sente-se o calor suave do sol, que consola do frio ambiente quando as nuvens se afastam para deixar passar seus raios.

 

Para a tarde, está prevista uma caminhada em grupo — ou melhor, uma “deriva”, segundo o conceito desenvolvido por Guy Debord. Não conheço muito sobre o situacionismo, mas gosto de caminhar, conversar e conhecer novas pessoas. É com uma curiosidade levemente tingida de apreensão que atravesso o campus da Cidade Universitária com passos rápidos, dirigindo-me ao ponto de encontro.

 

Um pequeno grupo já está formado quando chego, e logo estamos todos prontos para partir. Recebemos a instrução de estar atentos ao que nos rodeia, manter a mente aberta e registrar o que chama nossa atenção por meio de fotografias ou esboços. Após essas breves explicações, iniciamos nossa caminhada.

 

O parque Montsouris, a avenida René Coty e a charmosa rua dos Artistas compõem o cenário da nossa marcha. Enquanto caminhamos, grupos se formam e se separam. Conversas se entrelaçam, às vezes animadas, às vezes hesitantes. Caminhamos lado a lado em silêncio, e de repente uma observação inusitada nos faz rir. Também tiramos muitas fotografias — de tudo e de nada. De coisas às quais normalmente não prestaríamos atenção. De todos esses detalhes modestos que fervilham ao nosso redor e que desenham um mundo inesperado, de beleza estranha e discreta. É esse espetáculo que se oferece constantemente ao nosso olhar e que, normalmente, estamos ocupados demais para perceber — mas que agora tomamos grande cuidado em enquadrar, isolar, encenar. Nossa caminhada é pontuada por silêncios, nosso passo é lento. O tempo se dilata levemente. Tudo está agora envolto pela luz dourada da tarde, que parece suspender os acontecimentos em pleno voo.

 

Após algumas horas, retornamos ao ponto de encontro e compartilhamos nossa experiência. Organizamos as fotografias que tiramos por tema e as apresentamos uns aos outros. É um exercício difícil, pois é preciso dar ordem e sentido, retrospectivamente, a fragmentos da nossa vivência. Mas todos se dedicam com entusiasmo, criatividade, humor e uma sinceridade comovente. Fico maravilhado com a diversidade de mundos e histórias que cada um revela através desses grupos de fotografias. Estávamos todos no mesmo lugar, ao mesmo tempo, cercados pela mesma paisagem, testemunhando os mesmos acontecimentos. No entanto, parece que todas essas coisas aparentemente desconexas foram convocadas diante de cada um para contar uma história profundamente pessoal.

 

Nos separamos após essa troca. A noite cai e sua penumbra mais íntima nos envolve. Por um momento, permaneço meditativo, refletindo sobre o que discutimos. O tempo hesita em retomar seu curso. Vejo ao meu redor novos detalhes inusitados a capturar, uma nova beleza oculta que ainda gostaria de compartilhar. Então, sem que eu perceba realmente, os detalhes se desfazem e as coisas voltam pouco a pouco ao normal. O tempo retoma seu lugar. Por fim, o parêntese que essa deriva havia aberto se fecha discretamente.

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Paris, France, Fevereiro de 2025.

+ (55) (31) 9.8338-7591

Ateliê: Rua Inhaúma, 126, Belo Horizonte, MG

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